Não acho que alguém se programe para ser madrasta. Nem que tenha sonhado ou se imaginado madrasta em algum momento da vida.
Ser madrasta não é um “cargo” almejado. Por muito tempo as madrastas foram vendidas com uma imagem de “bruxa má” que se mantém assim no inconsciente coletivo, mesmo que de fato a madrasta seja apenas a mulher do pai e não tenha nada a ver com “má” - a palavra vem de “maternar” mesmo, assim como “madrinha”.
Fato é que cada vez mais pessoas se juntam, têm filhos, se separam, se juntam com outras pessoas e criam novas famílias com padrastos, madrastas, seus filhos, meus e nossos.
Na minha vida esse tema chegou cedo, como enteada, já que tive padrasto e madrasta desde criança. O papel de madrasta em si demorou bastante e me atropelou quando eu já estava separada há muitos anos e meus filhos já eram bem crescidos, praticamente adultos. Até então a pessoa com filhos nas minhas relações era eu.
De lá pra cá esse tema, além de muito presente na minha vida, me trouxe - e ainda traz! - muitos questionamentos, dúvidas, medos e reflexões sobre construções sociais, crenças, modelos de relação e família.
Maternar não era novidade, mas o lugar da mãe é muito claro, nobre e reconhecido. É valorizado e aplaudido, pura beleza (outro engano, rs).
Ser madrasta é outro assunto, é silêncio e sombra. Ninguém fala sobre isso, ninguém te prepara para isso.
Existem milhares de grupos de mães pensados para diversas fases, mas quando decidi criar uma família com um homem que já vinha com dois filhos percebi que para as madrastas era bem diferente.
Acabei encontrando uma comunidade muito bacana e com ótimas trocas que me aproximou de muitas madrastas pelo Brasil (e fora dele também) mas que me fez perceber quantas madrastas passam muito perrengue, sofrem bastante e não conseguem dar conta dos tantos afetos e questões que vêm junto com essa nova dinâmica familiar.
Em torno desse assunto vem uma gama de questões que vão desde aqueles rótulos fantasiosos de má, incapaz de bons sentimentos, ladra de marido, etc., até as questões reais de como maternar uma criança que você está conhecendo agora, os sentimentos que aparecem de surpresa e que achávamos que jamais seríamos capazes de sentir, como lidar com o ciúme dos enteados, a relação do marido com a mãe dos filhos, dinheiro, divisão de responsabilidades e tarefas, o que podemos ou não fazer enquanto madrasta e mais uma lista infinita. Como se não bastasse, as pessoas em volta - conhecidos e desconhecidos - sempre têm algo a dizer ou questionar.
A partir disso e durante esse processo infinito, percebi que para além de encontrar acolhimento, informação, afeto e fazer amigas, como psicóloga e madrasta eu tenho muito a ajudar outras madrastas nessa jornada de curar feridas, repensar nossos conceitos e preconceitos e rever construções sociais para que ela possa acontecer de forma mais saudável e feliz para todos.
Precisamos reeditar a maneira de nos relacionarmos para que tenha espaço, respeito e amor para todo mundo.
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